( casos recontados a partir de relato feito por Brito Machado em seu livro “Ouro Preto – Chronicas” de 1933)
No início do século XX, era comum um devoto sair a esmolar em nome do santo de sua devoção. Havia um senhor, octogenário, que vestia o hábito da Ordem de São Francisco de Paula e saia descalço, todas as sextas-feiras, de porta em porta a esmolar para o milagroso santo. Era conhecido como Zé Bocó.
Este senhor tinha uma venda no bairro do Antônio Dias, onde vendia bananas, amendoim, pé-de-moleque, cubu, vassouras do campo, panelas de pedra e de barro e aves. Vendia também algo que fazia a delícia da meninada na saída da escola: biscoitos de polvilho, conhecidos como biscoitos de goma.
Sendo analfabeto, como muitos idosos naquele tempo, ele tinha dificuldade com as anotações das compras que seriam pagas no final do mês. Assim sendo, ele bolou uma maneira de “anotar” as compras de cada freguês já que não podia guardar tudo na memória. Ele colocava, em potes de barro, grãos de feijão e de milho simbolizando o valor das compras de cada freguês. Quando era hora de fazer o acerto, ele contava e recontava os grãos dentro do pote e alcançava o total. Perguntado sobre o significado daquilo respondeu:
Eu não sei escrever e minha memória não está boa; eu marco com milho e feijão o que os fregueses me devem.
E tirando os grãos de um dos potes explicava:
A Siá Maria Verônica comprou aqui umas abóboras por meia pataca, umas bananas por dois cobres e uma cuia por um vintém. Já me devia de outras compras. Como não posso guardar tudo isto de memória, nem sei escrever, marco com milho e feijão. O milho é o cobre e o feijão, o vintém. Quando ela vier me pagar, eu conto na sua vista, o milho e o feijão... E assim faço com os demais fregueses. Cada um tem o seu boião ( pote).
Sobre a sua devoção a São Francisco de Paula, ele contava que o santo o livrou da morte quando uma cobra cascavel apareceu debaixo de sua cama.
Sua penitência de esmolar para o santo, o Zé Bocó a cumpriu até a sua morte aos noventa anos.
Sendo solteiro, doou tudo o que tinha para a Santa Casa de Misericórdia, com a condição de ali morar até morrer. E assim foi.
Contado por Ângela Xavier
Foto da antiga Santa Casa de Ouro Preto