A casa deveria ser o porto seguro de uma criança — um espaço de afeto, proteção e desenvolvimento. Infelizmente, para milhares de meninos e meninas, o lar é justamente o ambiente onde a violência acontece. Quando o agressor é alguém da própria família, os impactos psicológicos, emocionais e sociais são ainda mais profundos. A dor se mistura à confusão, ao medo e ao silêncio.
A violência que não escolhe lares
A violência doméstica infantil pode ocorrer em qualquer ambiente social: lares ricos ou pobres, com ou sem escolaridade, com ou sem religião. Muitas vezes, é exercida por pais, padrastos, madrastas, irmãos mais velhos, avós ou outros responsáveis legais.
Ela se manifesta de diversas formas:
Física: tapas, socos, empurrões, queimaduras, espancamentos;
Psicológica: humilhações, ameaças, xingamentos, chantagens;
Sexual: abusos, toques inapropriados, exploração;
Negligência: falta de cuidados básicos com alimentação, higiene, saúde ou educação.
O peso da convivência diária
Quando a criança precisa conviver todos os dias com quem a machucou, ela aprende a se calar para sobreviver. Desenvolve estratégias silenciosas de autoproteção: evita falar, se retrair, tentar não “incomodar”. Muitas até culpam a si mesmas pelo que sofrem. Essa convivência forçada com o agressor cria um ambiente de medo constante e fragiliza completamente a autoestima.
A ambivalência do afeto
Uma das características mais dolorosas da violência familiar é a mistura entre amor e dor. A criança pode amar o agressor — porque é seu pai, sua mãe, seu tio — e, ao mesmo tempo, sentir medo e tristeza por sua atitude. Esse vínculo contraditório dificulta a denúncia e o afastamento. Muitas vezes, ela se sente traindo alguém que ama.
O silêncio da família e da sociedade
Infelizmente, o silêncio em torno da violência doméstica infantil é alimentado também por outros membros da família. Alguns minimizam: “foi só uma palmada”, “ele estava nervoso”, “é assim mesmo que se educa”. Outros culpam a criança ou simplesmente fingem que não veem.
A sociedade, por sua vez, ainda falha ao não enxergar sinais de sofrimento. Quando uma criança começa a se isolar, apresentar quedas no rendimento escolar, desenvolver doenças psicossomáticas ou agir com agressividade, raramente se pergunta o que está por trás desses comportamentos.
O papel das escolas e vizinhos
Escolas, vizinhos, líderes religiosos e profissionais da saúde têm um papel fundamental na identificação da violência doméstica. São pessoas que, mesmo não fazendo parte da família, têm acesso à criança e podem perceber mudanças comportamentais. Ao menor sinal de suspeita, é essencial fazer a denúncia. O silêncio é cúmplice do agressor.
A denúncia salva vidas
A denúncia pode ser feita de forma anônima pelo Disque 100, por conselhos tutelares ou diretamente nas delegacias de proteção à criança e ao adolescente. Nenhuma denúncia deve ser ignorada ou desacreditada. Mesmo sem provas físicas, o relato da criança deve ser levado a sério e investigado.
A separação necessária
Em muitos casos, a melhor e mais segura atitude é o afastamento da criança do agressor. Isso não é fácil — envolve questões legais, emocionais e estruturais — mas é necessário. A segurança emocional e física da criança deve ser prioridade absoluta.
O desafio da reconstrução
Após vivenciar violência dentro de casa, a criança precisa de um ambiente totalmente novo, seguro, acolhedor e amoroso para se reconstruir. O processo pode ser longo e doloroso, mas é possível com apoio psicológico, social e familiar.
A terapia é essencial para que ela possa entender o que aconteceu, nomear sentimentos, ressignificar vínculos e, aos poucos, recuperar sua confiança no mundo. O cuidado deve ser estendido à nova família que a acolherá, para que esteja preparada para lidar com possíveis traumas e desafios comportamentais. casamento
A importância de políticas públicas
É fundamental que os governos invistam em políticas públicas voltadas para a prevenção e combate à violência familiar contra crianças. Isso inclui capacitação de profissionais da saúde e da educação, campanhas educativas, criação de centros de acolhimento, ampliação da rede de apoio psicológico e fortalecimento do sistema de proteção.
Conclusão
Quando o agressor mora em casa, o trauma é profundo, silencioso e complexo. A criança vive um dilema entre amor e dor, proteção e perigo. É nosso dever, como sociedade, romper esse ciclo — ouvir, acolher, proteger e, acima de tudo, agir. Nenhuma criança deve ter medo de quem deveria cuidar dela.